segunda-feira, março 21, 2005

chegou o peixe graúdo

Junto ponho à disposição a entrevista concedida pelo Sr. Bastonário da Ordem do Farmacêuticos, Dr. Aranda da Silva, ao DN:

Como vê a intenção do Governo de passar a venda de medicamentos para outros espaços que não as farmácias?
Com surpresa. Não consta do programa eleitoral, que até consideramos ser muito interessante na área da saúde. Aguardamos agora que essa intenção seja clarificada e discutida. Se há algum problema de acessibilidade ao medicamento em algum ponto do País, estamos dispostos a discutir a situação e a resolvê-la com o Governo.

O primeiro-ministro considera não haver razão para que estes medicamentos continuem a ser vendidos apenas nas farmácias, desde que com supervisão dos farmacêuticos. Concorda?
Achamos que é estranho, porque a legislação aprovada em 2001 pelo governo socialista não permite que os farmacêuticos exerçam a sua profissão fora de espaços de saúde.

Por isso, o programa de Governo fala concretamente em mudar as regras de comercialização dos medicamentos. É um sinal do fim do monopólio da propriedade das farmácias?
Não faço ideia do que quer dizer. Mas achamos que, na saúde, esta é uma questão acessória. Sabemos que há lóbis por detrás disso. E ficámos surpreendidos por ver a Ordem dos Médicos defender essa situação. Estamos habituados a ver a Ordem associada à indústria farmacêutica, surpreende-nos vê-la também associada aos lóbis dos supermercados e das gasolineiras.

O que a Ordem dos Médicos diz é que se trata apenas de uma questão de propriedade das farmácias, não de saúde pública.
A Ordem dos Médicos não tem conhecimentos para opinar sobre a prática farmacêutica. Não precisamos do paternalismo dos médicos. Da mesma forma que o Dr. Pedro Nunes [bastonário da Ordem dos Médicos] não dá consultas nos supermercados, nós também não dispensamos medicamentos. De acordo com a lei, os profissionais de saúde só podem actuar em espaços de saúde. As farmácias, apesar de terem alguns aspectos comerciais, são estabelecimentos de saúde, e a sua actividade está regulamentada e condicionada por esse facto.

Mas porque é que, na prática, o trabalho do farmacêutico não pode ser feito noutros espaços?
A nossa profissão implica independência técnica. Não pode haver independência técnica se se trabalhar num supermercado. Não somos nós que o dizemos, é a lei que não o permite. Além disso, é contra a evolução do sector, que implica um controle cada vez maior do consumo de medicamentos. Vamos andar para trás, copiando modelos que estão a ser postos em causa nos países que adoptaram essa prática? É algo que me surpreende...

Considera que um farmacêutico desenvolve melhor a sua actividade tendo como patrão outro farmacêutico? E, se não for o caso, não é independente?
Não tenho dúvidas. E por isso é que na maior parte dos países o circuito de distribuição é semelhante ao nosso. Considera-se que, desta forma, se protege melhor a saúde pública. A alternativa é a farmácia ficar na mão de grandes multinacionais, muitas delas ligadas à produção de medicamentos, criando uma verticalização do sector que não traz ganhos em saúde, mas prejuízos. Aumenta o consumo e os preços e, ao mesmo tempo, diminui a qualidade do serviço prestado. Na grande maioria dos países há apenas um canal de distribuição, seguro e controlado as farmácias. Fugir a este controlo não é um progresso, mas um sinal de atraso. Os medicamentos não são batatas, mas um produto especial que tem uma licença para entrar no mercado e utilização condicionada. Não são um produto que possa ser tratado como os outros em termos de mercado.