sábado, fevereiro 11, 2006

um filme de opinião



Já li diversas opiniões sobre Munich de Steven Spielberg. Parece prevalecer o voto pela mediocridade relativamente ao que Spielberg nos habituou. Discordo.

Compreendo a desilusão de quem esperava um relato histórico essencial; não era manifestamente previsivel que Spielberg o fizesse. Compreendo a desilusão de quem esperava uma marcada tomada de posição pró-israelita; não era previsivel que Spielberg o fizesse. Não eram estas as minhas espectativas.

Munich é fundamentalmente um filme de opinião. Sem pretensões artísticas complexas ou posições políticas assumidas. O que Spielberg nos explica em Munich é que a questão inicial israelo-palestiniana - fundada numa disputa histórica pelas fronteiras religiosas dos seus territórios - se tornou, fruto dos limites extremados do massacre e contra-massacre, primeiro uma questão israelo-árabe e hoje uma guerra assumida do mundo árabe contra os princípios e cultura ocidentais.

São várias as circunstâncias que Spielberg nos oferece para a reflexão - como janelas de destaque num texto escrito de opinião. A primeira é o discurso de um dos responsáveis pelo massacre olímpico quando é libertado pelos alemães - que fundamenta a acção terrorista com a necessidade de publicitação da sua luta. A segunda é conversa riquíssima que Avner (Eric Bana) tem com Ali, um operacional da OLP - em que Spielberg nos diz claramente que os argumentos de judeus e palestinianos são exactamente os mesmos e, nesta medida, igualmente legítimos. A terceira é a exteriorização da dúvida moral de Robert (Mathieu Kassovitz). A quarta é, finalmente, o diálogo de encerramento de Avner com Ephraim (Geoffrey Rush), sobre o plano de fundo não inocente das Twin Towers.

Munich de Spielberg diz-nos, com a mestria rara de quem tem o dom da comunicação pictórica e cinematográfica, que a questão de fundo que motivou o massacre 1972 sofreu uma metamorfose profunda em jeito de mutação adaptativa às reacções e contra-reacções de judeus e palestianaos. A somação de ataques terroristas apenas leva à somação reactiva de contra-ataques também terroristas. A eliminação de líderes sanguinários apenas leva à legitimação da eleição de outros líderes mais sanguinários. O cenário final do filme - as Twin Tower ainda erguidas - serve para nos dizer que em 1972 se iniciou uma guera que perdura até hoje - cada vez mais global, cada vez mais destrutiva. Sem solução.

Munich é um filme de opinião contra a guerra religiosa. Em qualquer dos seus termos. E por isso gostei.



[declaração de conflito de interesses: sou um assumido simpatizante da causa judaica]