sábado, fevereiro 18, 2006

crime sem castigo



O enredo não é novo. A história é batida. Mas a narrativa é brilhante.

Assente em três pilares de contexto, largados em deixas premonitórias à laia clássica, o filme lança-nos habilmente na angústia aterradora que vai consumindo Chris Wilton (
Jonathan Rhys Meyers).

1. O primeiro desses pilares é a cena de abertura, que dá conceptualmente nome ao filme e oferece pano de fundo à trama narrativa de Woody Allen: a vida é na sua essência feita de circunstâncias que, como um bola de tennis, podem, ao bater na rede, passá-la ou tornar ao nosso campo - e perdermos. Ou como um anel incriminador que atirado ao rio fica em terra absolvente.
2. O segundo é o breve primeiro plano , valorizado mais à frente por Alec Hewett (
Brian Cox), da capa do Prestuplénie i Nakazánie de Fiódor Dostoiévski: que serve de timbre pré-condicionado para o epílogo que se adivinha.
3. O terceiro é o diálogo discreto entre Chris Wilton (
Jonathan Rhys Meyers), Tom Hewett (Matthew Goode), Chloe Hewett Wilton (Emily Mortimer) e Nola Rice (Scarlett Johansson) sobre a sorte, o destino e a fé.

Com uma mestria narrativa única, Woody Allen leva-nos ao poço sem fundo em que Chris lentamente se afunda, em espiral, por tentação, obsessão e mentira. E, como nas tragédias clássicas e na literatura russa, atinge-se, sem saída, um beco insolúvel que se resolve, por abrupto, mas sem nunca relevar Chris da culpa imputada e que lhe mereceria, por sentença própria, castigo. Match point: uma jogada de meste que decide o jogo.


terça-feira, fevereiro 14, 2006

vírgula

marca de uma mudança em assíndeto de fases que se são apostas no cumprimento benévolo do lucro único do momento sincronístico fundador; sinal enfático da emergência da oração nova sucessiva na construção do sintagma que se não completa nunca.


[Solução: memórias de um beijo]

sábado, fevereiro 11, 2006

um filme de opinião



Já li diversas opiniões sobre Munich de Steven Spielberg. Parece prevalecer o voto pela mediocridade relativamente ao que Spielberg nos habituou. Discordo.

Compreendo a desilusão de quem esperava um relato histórico essencial; não era manifestamente previsivel que Spielberg o fizesse. Compreendo a desilusão de quem esperava uma marcada tomada de posição pró-israelita; não era previsivel que Spielberg o fizesse. Não eram estas as minhas espectativas.

Munich é fundamentalmente um filme de opinião. Sem pretensões artísticas complexas ou posições políticas assumidas. O que Spielberg nos explica em Munich é que a questão inicial israelo-palestiniana - fundada numa disputa histórica pelas fronteiras religiosas dos seus territórios - se tornou, fruto dos limites extremados do massacre e contra-massacre, primeiro uma questão israelo-árabe e hoje uma guerra assumida do mundo árabe contra os princípios e cultura ocidentais.

São várias as circunstâncias que Spielberg nos oferece para a reflexão - como janelas de destaque num texto escrito de opinião. A primeira é o discurso de um dos responsáveis pelo massacre olímpico quando é libertado pelos alemães - que fundamenta a acção terrorista com a necessidade de publicitação da sua luta. A segunda é conversa riquíssima que Avner (Eric Bana) tem com Ali, um operacional da OLP - em que Spielberg nos diz claramente que os argumentos de judeus e palestinianos são exactamente os mesmos e, nesta medida, igualmente legítimos. A terceira é a exteriorização da dúvida moral de Robert (Mathieu Kassovitz). A quarta é, finalmente, o diálogo de encerramento de Avner com Ephraim (Geoffrey Rush), sobre o plano de fundo não inocente das Twin Towers.

Munich de Spielberg diz-nos, com a mestria rara de quem tem o dom da comunicação pictórica e cinematográfica, que a questão de fundo que motivou o massacre 1972 sofreu uma metamorfose profunda em jeito de mutação adaptativa às reacções e contra-reacções de judeus e palestianaos. A somação de ataques terroristas apenas leva à somação reactiva de contra-ataques também terroristas. A eliminação de líderes sanguinários apenas leva à legitimação da eleição de outros líderes mais sanguinários. O cenário final do filme - as Twin Tower ainda erguidas - serve para nos dizer que em 1972 se iniciou uma guera que perdura até hoje - cada vez mais global, cada vez mais destrutiva. Sem solução.

Munich é um filme de opinião contra a guerra religiosa. Em qualquer dos seus termos. E por isso gostei.



[declaração de conflito de interesses: sou um assumido simpatizante da causa judaica]


quinta-feira, fevereiro 09, 2006

haja quem entenda o fundamental

e não deturpe os princípios basilares da nossa civilização em nome de uma culpa envergonhada por crime nenhum.

Contra ninguém. Pela cultura e liberdade ocidentais. As que são nossas.

Não estive , mas com pena.

prodigiosa

a forma como Jorge Coelho defendeu ontem na SIC, na quadratura do círculo, a manutenção da golden share do Estado na PT. Segundo o esclarecido membro do PS, é decisivo que, em sectores estratégicos como as telecomunicações, se mantenha uma presença do Estado, para evitar aquilo que na sua opinião seria, por oposição à presente situação, uma coisa sem leis nem regras, seria a anarquia total.

É inacreditável como é que já volvidos 30 anos sobre a frebre das nacionalizações em série há ainda quem acredite que a regulação do mercado apenas se cumpre com a presença do Estado nas empresas. Este é sem dúvida um preconceito mineralizado que só morrerá com a renovação geracional que a orderm natural das coisas nos trará.

domingo, fevereiro 05, 2006

a cor de um ano

A cor das avestruzes modernas fez um ano no passado dia 24 de Janeiro.

Num tempo em que a moda coincide com a maioria e estrangula o padrão de distribuição do pensamento à anormal constrição da Gausiana normalidade, arrastando para o mediocre primeiro quartil o ensaio de opinião que se requeria, acho neste blog a oportunidade sublime de me alistar na luta que entendo minha por propriedade, assumindo assim a negação pel' a cor das avestruzes modernas, que nos tinge de desfoque a geração e nos impele com uma força mineral para a inércia dos novos tempos.Que achem neste espaço esse ímpeto de discussão que devia ser-nos próprio, como uma dívida nunca paga de sermos pensantes.

a cor das avestruzes modernas, 24.01.2005

Utilizando como catapulta de motivação o doce golpe de estado presidencialista, impus-me a participação na tarefa geracional de obviar a natural inércia do tempo que nos coube. Consciente da limitação da minha cor, acho pelo menos bem lançado o ímpeto inicial deste blog - que tem funcionado para mim, no seu limite, como um quasi-Instituto Mnémosine de Saul Bellow. Que o achem assim também os amigos que me têm ajudado a dar cor a estas avestruzes modernas.

desproporcionalidade indirecta

É certo o assumido fraco gosto dos cartoons de Maomé publicados em diversos jornais europeus esta semana. É certo que os muçulmanos, em especial os radicais muçulmanos, têm um conceito muitos especial sobre a reprodução de imagens do seu profeta. É certo que haveria muitos outros assuntos a caricaturar, manifestamente com superior lucro cómico.

Mas a reacção muçulmana na Síria, Irão e países afins tem sido profundamente desproporcionada, sobretudo porquanto as imagens primogénitas haviam sido publicadas em Setembro de 2005.

Não haja dúvida que a celeuma agora gerada é fruto de um oportunismo político dos governos destes países, que querem aproveitar uma parca semente deitada à terra por um infeliz exercício ocidental de liberdade de expressão para gerar um novo episódio desta guerra civilizacional, pretendendo benefícios justificativos para as suas previsíveis acções mais radicais - na questão iraniana da produção de energia nuclear e na questão israelo-palestiniana.

sábado, fevereiro 04, 2006

a cor da musica que oiço

passa agora a fazer parte das minhas avestruzes modernas, para que a circunstância da discussão se cumpra também nessa morada que me é essencial como metrónomo do ritmo sináptico que me anima.