terça-feira, fevereiro 22, 2005

dom quixote teve razão

Posted by Hello


Os monstros não são infelizmente sempre moinhos de vento.

instantes

Estou no metropolitano. Passam sete minutos das dezanove e trinta da noite. À minha frente segue um casal negro - mãe e filho. A mãe tem um olhar perdido na janela onde correm os repetidos padrões que cobrem os corredores subterrâneos do metropolitano. O filho, incomodado pela estrita regra de estar sentado, pula entre o chiar repetido dos carris para o colo da mãe. Ela fixa impavidamente um qualquer ponto que só ela discortina na parede cinzenta do metropolitano. Ele imagina, nas tranças curtas de cabelo semeadas na cabeça crispada da mãe, medusas ou serpentes que se degladeiam. Ela tem um semblante derrotado. Ele não contem a medida da felicidade talhada pelos frutos da imaginação.

Um instante.

segunda-feira, fevereiro 21, 2005

mau agoiro

Grafik und Skulptur Posted by Hello



Hoje o dia rompeu tristonho, enegrecido, invernoso. Um mau agoiro.

choque, plano, sem plano

Durante a campanha eleitoral, a principal medida apresentada pelo Eng. Sócrates foi o pretenso "choque" tecnológico, que depressa se quedou em plano tecnológico quando o rídiculo lhe tomou a consciência e o fez arrepiar caminho. Agora que lhe calhou em sorte ser Primeiro Ministro, diz-nos que a sua primeira medida, logo que assuma o cargo, será oferecer emprego a mil jovens em áreas de tecnologia e gestão. É de facto uma medida de choque, porque choca qualquer indivíduo que mantenha o raciocínio minimamente activo durante a tranquila fruição da condenação do País. Se se pretendia que o "choque", o "plano" ou o quer-que-fosse-que-isso-é-o-que-menos-interessa tecnológico tivesse uma pretenção estruturante (defendida pelo PS como alavanca para o crescimento económico), tivémos ontem a resposta mais clara que se podia esperar: foi tudo uma questão eleitoral tão demagógica como todas as outras.

Mas mesmo que se não tivesse armado em herói sem capa e nos tivésse poupado à relevação imediata do vazio estruturante da base programática do PS, uma questão impunha-se ao Eng. Sócrates: como é que ele pensa implementar um qualquer plano tecnológico, de ciência e desenvolvimento, num país onde as principais faculdades de ciência e tecnologia vivem a tapar buracos e não têm a mínima margem para investir. Mais que o plano tecnológico importa desenhar um Plano Educativo que imprima um novo fôlego à educação e que permita a implementação das recomendações de Bolonha.

Porque não interessa começar a casa pelo telhado.

terrível complexo de esquerda

Depois de uma noite manifestamente mal dormida pelo inconformismo a que me votei depois da terrível noite de ontem, escrevo hoje este post com uma aguda e incisiva tristeza que me abate os níveis de transmissores, fecha os canais GLUT, bradicardiza-me o ímpeto, desola-me a vontade.

Não consigo aceitar que o meu País se tenha assumido maioritariamente de esquerda - quase dois terços do parlamento. Não consigo aceitar que passados 30 anos sobre o 25 de Abril ainda se viva em Portugal esse terrível complexo de esquerda. Passaram já quase tantos anos como os que Salazar teve no poder e ainda andamos a ser guiados por gente que defendia o Conselho da Revolução, a estatização da propriedade privada, e outros tantos disparates de morte.

Ontem, de entre as palavras mais ou menos esperadas de todos os líderes partidários, houve umas que me emocionaram terrivelmente pela sua avassaladora verdade. Paulo Portas, assumindo a responsabilidade política e pessoal pelo incumprimento dos seus quatro objectivos eleitorais, deixa um aviso magoado ao País: "não existe nenhum País civilizado ontem trotsquistas e democratas cristãos estejam separados por apenas um ponto percentual". De toda a derrota de ontem, esta foi sem dúvida aquela que mais me agudizou a depressão - pensar que vivo num País cada vez mais atrasado cultural e civilizacionalmente.

Num dos tradicionais modelos socialistas europeus - a Dinamarca - foi recentemente reconduzido um governo de centro direita, com reiterado apoio popular. A Dinarmaca é actualmente a economia mais saudável do mundo, a sociedade mais justa do mundo - uma lição. E nós ainda andamos a brincar às "revoluções" e às esquerdas ditas modernas. Que triste complexo de esquerda que nunca mais morre.

donna maria

Posted by Hello



Donna Maria é o nome de um projecto acústico singular que combina de modo excepcional a sonoridade típica da música portuguesa e as novas opções sonoras trazidas pela pop urbana moderna. Os acordes chorados na ladainha arrastada do fado assumem contornos únicos enquadrados por uma mistura irrepreensível de Miguel Ângelo Majer – assumidamente o autor principal deste crime contra os modelos musicais instituídos e por esse motivo absolvido unanimemente no primeiro beat do seu álbum de estreia: Tudo é para sempre.

A responsabilidade conceptual, os arranjos e a produção são de Miguel Ângelo Majer, com a colaboração de Ricardo Santos – outro dos co-autores deste crime benévolo –, e a voz – clara, absoluta, timbrada de leve pelo vício cantado do fado – de Mariza Pinto: talvez o lait motiv e álibi maior deste crime que nos toma a todos. Além de Miguel Ângelo Majer na bateria e programações e Ricardo Santos nos teclados e samplers, Tudo é para sempre conta ainda com nomes como Arménio de Melo e Múcio Sá (guitarras portuguesa, eléctrica e acústica e banjolim), Jorge Cruz e Manuel Jorge (acordeão), Ciro Cruz e Vasco Sousa (baixos e contrabaixos) e Ruca Rebordão (percussão). Cúmplices neste projecto são também os convidados especiais Paulo de Carvalho – no dueto Quase Perfeito –, Vitorino – na revisão de Lado a Lado de Tony de Matos –, Pedro Luís (de Pedro Luís e A Parede) – em Azulejos Voadores –, Letícia Vasconcellos – na interpretação de A Tua Luva de Ciro Cruz, baixista de Gabriel O Pensador –, Paulinho Moska – em Agora já é tarde – e Gil do Carmo – no poema Sempre é para sempre.

Tudo é para sempre é um tributo assumido à génese da música portuguesa, onde sem dúvida se releva a magnífica versão de Estou além, de António Variações, e Foi Deus, popularizada por Amália. A propriedade única dos sons da guitarra portuguesa e do acordeão é deliciosamente valorada por uma sublime pincelada electrónica, emprestando à música tradicional portuguesa uma modernidade admirável.

domingo, fevereiro 20, 2005

pesadelo

Estou a escrever este post às 20:08 da noite - imediatamente a seguir à comunicação das primeiras projecções dos resultados das legislativas. Confesso que mal consigo conter a descarga simpática a que o meu malfadado nervo vago me condena. Os dedos tremem-me à medida que procuro no teclado as letras deste meu manifesto incrédulo, triste, desolado. Não consigo conceber o pesadelo que vi projectado há poucos minutos na televisão. Não consigo conceber a ideia de viver num país que dá ao PS o crédito de uma maioria absouta. Não consigo conceber a benevolência que foi oferecida a um partido que comprometeu até há 4 anos atrás o futuro de meu País e que agora, sem mérito e sem razão, retorna ao poiso que assume como posto - o poder. Não consigo conceber a ideia de voltar a ver como representantes do meu País gente terrivelmente ignorante e incapaz. A incredulidade e a raiva com que escrevo este post associam-se a uma manifesta vergonha pelo País em que vivo. Um país sem memória é um país sem inteligência.

Portugal assumiu hoje o terrível voto de castidade à modernização e desenvolvimento; assumiu hoje a vontade de se manter tacanho, preso aos laivos de incompetência e inactividade de um Partido que assume a responsabilidade dos desígnios do País como quem se coloca em ponto-morto, deixando fluir o País ao ritmo das marés.

É um pesadelo. É um pesadelo e uma injustiça. Uma injustiça pelo castigo infligido a dois governos que procuraram inverter o rumo talhado ao precipício por aqueles que agora, sem graça nem louvor, retornam - com a terrível hipocrisia dos incapazes - ao posto quente do poder.

Passaram já 30 minutos desde a má-nova. Vou digerindo a tristeza de ver o meu País - o meu tão querido País - entregue a esta gentalha menor. Mas vou pensando que talvez este resultado seja aquilo que Portugal merece. Porque um povo que oferece, na sua maioria, um atestado de liberdade à reincidência de más políticas, é sem dúvida um País que só merece ser castigado exactamente por essas más políticas. Um povo que merece cumprir a pena de mais 4 anos de vacas magras, agravadas pelo terrível peso da inércia das más políticas que perpetuarão as dificuldades por mais 4 ou 8 anos.

Digo-vos uma coisa: não deixarei que os meus filhos vivam num País guiado por esta gente.

terça-feira, fevereiro 15, 2005

choque plano

Assumindo a franca possibilidade de continuar sem ser lido, queria, pelo gozo gratuito que a escrita me oferece, relevar um arrepio de caminho do Sr. Eng. Sócrates. Conforme deverão ter reparado, o dito "choque tecnológico" - apelidado pelo próprio PS e não outros por "choque" - afinal não se tratará de um "choque", mas sim de um plano, considerando a exequibilidade temporal dos objectivos associados. É-nos dito agora que se prendende lançar nesta legislatura as bases para aquele que será um desenvolvimento apostado na inovação e nas novas tecnologias - mas apenas as bases, rejeitando hoje liminarmente a hipótese publicitada de um "choque" tecnológico com um verdadeiro carácter de choque.

A mim, conforme fiz já nota, parece-me um digno acerto de discurso, merecendo o valor da assunção do erro (ainda que apenas implicitamente e de resto contrariado pelo discurso ensaiado). Na realidade, sempre me pareceu de palmatória o erro de considerar estratégico o "choque" tecnológico - criando até a ilusão de que poderia ser, por via do crescimento económico que previsivelmente poderá associar-se, uma solução para o problema do défice. Devo lembrar que este foi de resto um dos argumentos (hoje reconhecidamente falasiosos) para a escolha antecipada do voto do Sr. Prof. Freitas do Amaral, quando comparado com o "choque" de gestão proposto pelo PSD.

Assumido o erro de planeamento e estratégia (e continuando a concordar claramente com o relevo dado ao desenvolvimento tecnológico - mas médio prazo), põe-se outro problema, porventura o mais importante: descartado o "choque" tecnológico, que outro instrumento pretende avançar o PS para fazer face ao défice? O crescimento económico é um objectivo manifestamente meritório, mas é preciso dizer claramente como se pretende chegar lá - não basta dizer "cresce e aparece!".

Cai por terra uma das bandeiras de campanha e de governo do PS. O inglês no básico nem chegou a ser bandeira. Os 150.00 empregos foram um pagode. O que fica?...

domingo, fevereiro 13, 2005

disparate absoluto

Não sendo este um assunto de todo inédito na esfera de discussão que tem acompanhado esta campanha eleitoral, merece-me menção (pela inacreditável dimensão que tomou) o decreto absoluto lançado a Portugal para que conceda ao Eng. Sócrates uma maioria parlamentar absoluta. Se o repto lançado repetidamente desde os primórdios da sua precoce vida de candidato a primeiro-ministro parecia, inicialmente, um manifesto de necessidade de segurança política, de estabilidade parlamentar, de legitimação popular, hoje configura decididamente um manto diáfano que encobre uma terrível ausência de conteúdo, de estratégia, de convicção, servindo como argumento totalitário pelo temor da discussão.

De modo reflexo, à laia da história que torna sempre o feitiço contra o feiticeiro, este argumento tem acabado por revelar ser curiosamente o contrário do que de boca cheia se apregoa. Porque a doentia repetição tantas vezes repetida em repetidas ocasiões - seja em comícios, jantares, campanha de rua - de que o propósito da sua exigência serviria apenas para garantir a estabilidade governativa e não seria nunca um instrumento de abuso de poder, de desrespeito pela lógica democrática do nosso sistema parlamentar, acaba por revelar-se exactamente uma tentativa ignóbil de assegurar o poder pelo poder - contra o basilar princípio da regulação da acção do Governo pela Assembleia da República e assim garantir que a despeito da ausência total de estratégia, de capacidade e de vocação, estas eleições permitiriam ao PS gozar de mais uma legislatura de vacas gordas para si próprios.

Porque o Estado nunca há-de falir. Veremos até quando.

quarta-feira, fevereiro 09, 2005

esclarecimento

Um esclarecimento impõe-se ao último post para a devida apreciação pelos meus amigos "estrangeirados" - alheios à fecunda produção opinativa deste admirável recanto luso. O Sr. Professor a que aludo trata-se de Freitas do Amaral, a mais recente pomba branca da opinião livre que veio à rua gritar a sua intenção de voto nas próximas eleições legislativas. Ficámos todos irremediavelmente mais ricos. Porque o riso é a nossa maior riqueza.